Terá a (falta de) Classe remédio?
Ou terá a profilaxia desajustada ceifado de vez a categoria da profissão?
A miserável degradação da profissão docente é uma evidência indisfarçável. Mas, ao contrário do que muitos querem fazer crer, essa desgraça não é obra do acaso. A diminuição da relevância da Escola Livre, através da implosão da carreira docente, é apenas parte de um ardiloso plano que visa incapacitar o cidadão para viabilizar a democracia mercantilista.
O resultado, desses sucessivos ataques, disfarçados de programas para o desenvolvimento e modernização da Escola Pública, estão à vista de todos, embora muitos recusem ver, apesar de não terem (ainda) lápis espetados nos olhos.
O que tem um professor a oferecer ao mercado que viabiliza as patologias do capitalismo histérico?
A preciosa matéria prima, que a profissão docente é capaz de gerar, não tem, nesse sistema, qualquer serventia, o conhecimento per si não gera lucro, o pensamento abstracto embaraça a euforia dos consumidores, a leitura proficiente atrapalha a exploração, a criação iconográfica abala a Situação e perturba os negócios!
Os caprichos da sociedade capitalista são incompatíveis com as premissas da ação pedagógica consequente, digna, livre e emancipada, pelo que, quanto mais confrangedora ela for mais se ampliará a ignorância que alimenta os demónios da exploração! Se dúvidas existirem, quanto aos resultados desta empreitada destrutiva, explique-se à população que financia a escola pública portuguesa, o moderno conceito de aluno não-leitor!
Lamentavelmente, a enormidade dos danos provocados à profissão, só foram possíveis de atingir com a cumplicidade de uma série de (a)gentes da educação que, num passado recente, ávidos por mudarem de vida sem mudarem de profissão, aceitaram desempenhar um papel ativo na implosão da Escola Livre. Uns correram a fazer cursos para administrar a amputação da liberdade e gerir a falência da democracia dentro dos espaços escolares! Outros, por razões que a razão desconhece mas que a desonestidade intelectual justifica, aceitam participar nos rituais da gestão-do-faz-de-conta-que-somos-uma-escola-democrática das mais diversas e deploráveis formas!
A Glória não é somente nome de jogo de tabuleiro que guardamos na memória, é nobreza de carácter dos profissionais que se debatem com vigor, determinação, coragem e criatividade pela manutenção da liberdade da Classe, recusando participar na humilhação da Escola, ainda que para tal se habilitem às penitências impostas pela autocracia dos gestores e pela mesquinhez dos colegas desclassificados!
Terá a falta de Classe remédio? Ou terão a gula e o oportunismo provocado uma doença congénita, impossível de debelar?
Talvez se contem pelos dedos os professores que, apesar de todas as contrariedades e penitências, não abdicam de defender a sua Classe, enfrentando o monstro onde quer que ele se manifeste. Na rua, no local de trabalho, na ação pedagógica junto de alunos e encarregados de educação. A enormidade da desgraça não perdoa a falta de Classe de todos os que, de uma forma ou de outra, evitam assumir a responsabilidade civil que lhes cabe, nas lutas que se travam nessas arenas!
As loas e patranhas da tutela, que só convencem quem já está vencido, têm servido para justificar muita dessa inação!
Ora porque não serve exigir a Demissão do ministro, porque se vier outro Sinistro perde-se tempo para recuperar, a tempo, as negociações para resgatar o tempo de que a tutela não quer ouvir falar!
Ora porque urge desmentir, ponto por ponto, as mentiras que a tutela tece e oferece à opinião publicada, escrita pelos avençados alinhados com a famigerada máquina de propaganda do governo!
Ora porque é necessário esclarecer, nos media e em horário nobre, os Encarregados de Educação sobre a miséria que assola a Educação, ainda que as dinâmicas pedagógicas, na escola e em full time, sejam telematicamente vigiadas por todos a todo o instante!
Ora porque é necessário conceber um plano criativo para colocar os problemas da educação no centro das atenções mediáticas, ainda que o plano já tenha sido esboçado com lápis bem afiados e a Régua tenha assentado arraiais na festa mediática por um par de semanas!
Enfim, o extenso rol de loas e patranhas tem (des)feito de facto (a) Escola!
Se a energia despendida a justificar a demissão e a indisponibilidade diária, para assumir com Classe a relevância social do papel que cabe a cada um, fosse aplicada a resolver de facto os problemas, certamente há muito seriamos modelo referenciado na Finlândia! Mas, como continuamos enredados numa crónica e transversal falta de Classe, resta-nos apreciar os privilégios oferecidos aos turistas do Norte da Europa, que vêm dar aos Costas os argumentos necessários para se habilitarem aos cargos que a nomenclatura capitalista, das instituições internacionais, gosta de reservar para os luso paus-mandados, vulgo, governantes nacionais!
Existirá remédio para a (falta de) Classe que afecta o sector público de Educação?
Quem ama a escola continuará a lutar para ver esclarecida essa questão!
Afiemos os lápis, elevemos os corações e, ainda que sejamos poucos, continuemos a enfrentar com paixão a Classe perdida!
Antónia Marques
( publicado originalmente em https://amamosaescola.pt/wp/2023/09/04/tera-a-falta-de-classe-remedio/ )