A QUEDA DO ESSENCIAL
No dia 3 de maio, após a primeira reunião negocial, Pedro Barreiros interpelado por professores que se encontravam à porta do Ministério, adiantou que era pretensão da FNE alcançar, antes das eleições europeias, um diploma legal que acautelasse a recuperação do tempo de serviço. Uma vez que os resultados eleitorais poderiam empurrar o país para um novo cenário de instabilidade política, com impactos imprevisíveis no cumprimento das medidas inscritas no programa do governo, nomeadamente, a devolução do tempo congelado aos seus legítimos proprietários.
À data dessas declarações, o representante da FNE, alegava considerar essencial que a efetivação da primeira recuperação tivesse lugar em julho de 2024, antes da conclusão do processo de avaliação de desempenho, para que os seus efeitos se traduzissem em mudanças concretas já no início do ano letivo 24/25.
Porém, dias depois, Pedro mudou de ideias, deixou cair a cautela e a essência, concedendo, ao Ministro Fernando, permissão para avançar com o tácito acordo que, logo à partida, excluía da devolução 13 400 professores.
Ao prescindir da justiça, da equidade e dos efeitos imediatos das medidas o representante da FNE afirmou, de forma inequívoca, estar mais empenhado em salvaguardar o tempo e as demandas eleitoralistas da Aliança Democrática (AD), do que em pugnar pela digna reparação do prejuízo dos professores. De facto, só um deplorável taticismo partidário, poderá servir de argumento à subscrição de um acordo tão desvirtuado que, muito antes antes de devolver um dia que seja aos docentes lesados, vai servindo para serenar as angústias e ludibriar o eleitorado mais incauto.
Efetivamente, o extemporâneo sentimento de vitória, suscitado pela atitude manifestamente eleitoralista de Pedro Barreiros, terá sido engendrado para fazer perdurar o deslumbramento, perturbar o discernimento e envolver os professores em operações de charme até que a AD ultrapasse o cabo das tormentas europeias.
Lamentavelmente, esta inqualificável conduta sindical, para além de contribuir para a agudização dos abusos e danos que massacram a vida pessoal e prejudicam a carreira dos docentes, permite que se volte a instrumentalizar, sem dó nem piedade, a ansiedade e as legítimas expectativas de quem há anos se debate com o peso e as consequências do tempo de serviço roubado!
Se, per si essa instrumentalização é altamente condenável, mais abjecta se afigura, quando tudo leva a crer que os seus contornos terão sido delineados à mesa da concertação social, a tempo de produzirem efeitos favoráveis à consolidação eleitoral da governança atual.
Porém, e ainda que se acumulem as evidências do ultraje, escasseia a disponibilidade para inferir a quem serve, no imediato, um acordo a prazo, firmado em 21 de maio, cujos efeitos legais só serão equacionados no ano letivo 24/25, se tudo correr de feição à AD?
Que em nada serve, nem agora nem mais adiante, aos 13 400 docentes excluídos é já uma evidência, quanto aos restantes docentes lesados o tempo pós-eleitoral o dirá!
SEGREGAÇÃO ETÁRIA
Contudo, a alegada instrumentalização da angústia, embora seja gravíssima, está longe de ser o aspeto mais cruel inscrito na matéria acordada. Efetivamente, o pacto terá ido bem mais longe, não na aguardada resolução de pendências, mas na agressão moral e na segregação que inflige aos docentes lesados mais avançados na carreira!
Ora, a celebração de um acordo fundado em premissas deste calibre, constitui um golpe baixíssimo, revelador do oportunismo e da carestia de princípios basilares dos seus subscritores. Pois, não será necessário ser hiper-dotado em literacia cívica ou ter a Carta dos Direitos Humanos na algibeira, para identificar a brutal e inadmissível discriminação etária a que deram azo!
Efetivamente, o divisionismo estratégico, utilizado para desviar a atenção do permanente assalto à carreira dos professores, é um expediente recorrente das governanças desesperadas e dos seus correligionários, que no decurso das últimas décadas se têm divertido a brincar às escolinhas. Porém, desta feita, os promotores desse vil estratagema decidiram rebaixar ainda mais a parada, sujeitando uns professores à cruel aceitação da segregação de outros, como contrapartida para acederem ao plano que promete descongelar às fatias o tempo roubado!
Assim, dada a enormidade da ofensa, cumpre avisar os mais incautos, que o idadismo institucional, que ocorre quando uma instituição perpetua o preconceito da idade por meio de suas ações e políticas, é inconstitucional e representa um atentado a direitos humanos fundamentais, pelo que, a permissividade com a afronta não pode ser caminho para qualquer reparação de prejuízos!
Perante este condenável exercício de discriminação, os docentes mais avisados, que preservam intacta a sua humanidade e consciência de Classe, não podem deixar de denunciar as manobras discricionárias de que são alvo 13 400 professores. Tão pouco podem deixar de lamentar, que o dito pacto, tenha sido consentido e celebrado com sete organizações representativas dos docentes.
Este exercício de exclusão, baseado num preconceito inconstitucional, comprova a negligencia e o descaso desses agentes sindicais, relativamente à defesa dos direitos dos professores!
Se outros motivos faltassem, a declarada falta de confiabilidade destes interlocutores, seria mais do que suficiente para despertar na classe um sobressalto de indignação, agitando consciências e suspeições acerca da legitimidade, seriedade e efetividade da anunciada recuperação discricionária do tempo de serviço!
INDIVIDUALISMO TÁCITO
Mas, pelo tanto e tão pouco, que a esse respeito, até à data se viu e ouviu, será caso para colocar a questão:
Será que a classe docente está assim tão excessivamente centrada na resolução individual dos seus problemas, ao ponto de permitir que se concretize e perpetue esta insidiosa discriminação e se ignorem as suas consequências a curto, médio e longo-prazo?
De facto, todo aquele que, no presente, admite o prejuízo e a segregação dos colegas com mais anos de vida entregues ao serviço da Educação Pública, está a declarar, de forma explícita, a falência do seu quadro de conduta deontológica, ética e moral.
Os danos, provocados por essa falha gravíssima, serão certamente mais elevados do que os proventos, que venham a resultar de uma hipotética devolução, em tranches e em data incerta, dos dias de serviço outrora roubados. Caso se confirme que essa propensão para o individualismo, é mais forte do que intolerância à segregação dos professores com mais anos de serviço, o descalabro, que hoje paira sobre a carreira docente, sobre ela se abaterá em definitivo. A tragédia maior que virá, fará implodir a dignidade que resta ao corpo do(c)ente, e dará lugar à implementação das derradeiras manobras de aniquilação do moribundo Serviço Público de Educação.
Pelo que, cumpre a cada ser humano, que exerce a profissão docente, rejeitar de forma contundente a discriminação de que estão a ser alvo, os que entre si se encontram no topo da miserável carreira! Sob pena de, ao não se manifestarem agora, se sujeitarem à eventualidade de virem a ser tratados de igual o pior maneira!
PRUDÊNCIA ALIENADA
Para infortúnio da nossa vida cívica, a sensatez, a empatia e a coesão da classe há muito terão deixado de estar ao serviço da razoabilidade. Consequência, não se cumpriu a prudência que se exigia, face à instrumentalização eleitoralista da devolução do tempo de serviço roubado, celebrado entre Pedro Barreiros e Fernando Alexandre, no passado dia 21 de maio.
De facto, não se cumpriu a sagacidade nem uma série de aprendizagens significativas, que deveriam ter sido adquiridas no decurso do longo e penoso calvário, a que a profissão docente tem estado condenada.
Consecutivas subtrações de direitos laborais, abusivos aumentos de idade de reforma, constante degradação dos salários, crescente desonra pública, indecorosa prepotência hierárquica e administrativa, o que faltará acrescentar ao extenso rol de perdas e danos, para evitar que a infâmia, inscrita nas jogos de poder e nas manobras partidárias, continue a degradar a carreira e a vida pessoal dos professores?
Não estou certa de que sobre tempo para dedicar à reflexão sobre as problemáticas expostas, pois, entre o tempo que uns congelaram e o tempo que outros nos fizeram perder a reivindicar a devolução do tempo que há-de vir, passaram-se quase vinte anos e o único tempo que efetivamente a vida nos devolveu foi a soma dos anos!
E, como “ninguém caminha para novo” urge defender com veemência a honradez dos fios de cabelo branco e a eloquência das rugas que consubstanciam a maturidade da nossa pele coletiva, para evitar que o degredo destrua o tempo que nos resta. Sob pena de, se ousarmos claudicar esta derradeira missão, estarmos condenados a acrescentar à penúria dos rendimentos e às miseráveis reformas o opróbrio de sair do palco a rastejar, perante uma implacável audiência!
DO TEMPO QUE HÁ DEVIR
Efetivamente, as mais recentes evidências indicam que o congelamento do tempo de serviço, estratagema ardilosamente utilizado por sucessivas governações de diferentes espectros partidários, para subtrair rendimento, disponibilidade, dignidade, motivação e entusiasmo aos professores, como forma de degradar a qualidade da escola pública, irá continuar a massacrar a vida e a carreira até que seja (se de facto vier a ser ) restituído o último dia!
Até que se cumpra esse desígnio, muita água suja passará por debaixo dos nossos pés e, certamente, não será água derramada pelo degelo do tempo roubado!
Aqui chegados, temos motivos de sobra para considerar que o acordo alcançado no passado dia 21 de maio terá sido de facto histórico, não pela justiça que se exigia, tão pouco pela equidade que a todos deveria ter sido garantida, mas pela intolerável chantagem psicológica e a insidiosa discriminação etária que promove!
Concluo esta reflexão, escrita em cima dos acontecimentos, elencando uma série de (co)ordenadas, que poderão ser de utilidade a quem entenda cartografar ou apreciar, entre uma e outra eleição, o devir do tempo:
Gozando do armistício social, suscitado pela demissão da maioria, os membros do governo aproveitaram o estado de apatia reivindicativa e receberam os mestres e os chefes dos regimentos profissionais, para encetarem novas rondas negociais! Entre os apertos de mão e os retratos de família a governação mediu o pulso às classes profissionais e, rapidamente, terá percebido que a Educação seria o território mais propenso a ser (con)vencido!
Fernando Alexandre, o atual ministro da educação, que há cerca de uma década esteve ao serviço de Passos Coelho, exercendo funções de secretário de estado da administração interna, voltou para ajudar Luís a conquistar com celeridade a maioria! Pelo que, ciente da urgência que lhe foi atribuída, redigiu à pressa um acordo discricionário, e apelou aos parceiros de outras aventuras, que subscrevessem sem demora um novo tratado de Tordesilhas! Meu dito, meu feito, ao 21º do mês de maio, nas instalações do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, o concerto a quatro mãos ditou o sumário de uma das “aulas mais triste das nossas vidas”
Ainda o concerto decorria e já a banda mediática anunciava o nascimento do acordo, manchado de idadismo! Apesar da mancha / discriminação etária ser indisfarçável, a maioria dos lesados da educação rejubilou de contentamento, consentindo que o golpe discricionário, para além de servir aos intentos eleitoralistas da Aliança Democrática, deixasse de fora os colegas mais envelhecidos!
Haverá salvação para o Serviço Público de Educação, quando os seus timoneiros declinam ser farol cívico e se resignam ser carne para os canhões partidários?
Antónia Marques
Professora desde 1997
Quadro de Zona Pedagógica / Vinculada em 2022/23 / 2º escalão
Parabéns! Parabéns pela lucidez, pois parece que anda tudo cego…
A fenprof não fez nada enquanto teve lá o partido comunista.
Foi uma grande conquista, o vosso problema foi ser o governo de direita a fazer alguma coisa.
Preocupem -se com o resto da classe, os que não tem caixa geral de aposentações, por exemplo.
Resolver a falta de professores com reformas antecipadas cabe na cabeça de alguém? Não vos parece mais prudente aumentar o vencimento dos escalões iniciais?
Enfim, a fenprof não tardará e passa mesmo a ser o partido dos reformados, tal como o Partido comunista.
Magnífica, objetiva e muito importante a reflexão! Deveríamos ir para a rua de novo, manifestar o repúdio por este indigno acordo que é a vergonha da sociedade que reconhece a importância da Educação e reconhece o Valor do trabalho do Professor. Parabéns! Estarei na rua, levantarei a Voz contra a Injustiça!