“O Território do medo, Cidade Velha (ilha de Santiago) foi um dos espaços de passagem das oficinas de mapeamento coletivo, primeira cidade construída pelos europeus nos trópicos e primeira capital do arquipélago de Cabo Verde. Um lugar repleto de vestígios de uma pesada herança, onde o medo se faz presente e paira sobre as perspetivas de futuro. A paisagem está impregnada de sombras de um tempo longínquo, onde as tragédias davam à costa.
‘Na Ilha de Santiago, se estruturou uma sociedade. Esta nasceu da Escravatura introduzida por negreiros europeus, uma faceta de história de Cabo Verde rodeada de traumas e sofrimentos, mas também que deixou heranças que se traduzem, em essência, no sentir cabo-verdiano’ (Gomes, 2015)
O Achamento desta ilha, conceito polémico e muito presente nos debates públicos nacionais, deu lugar à colonização, criando as condições para o desenvolvimento de uma rede propiciadora de novas relações entre povos, ponto de passagem obrigatório para as embarcações que faziam a travessia do Atlântico envolvidas no tráfico de escravos.
O pelourinho (1520), monumento de celebração pública do sofrimento e humilhação, continua a ter uma presença forte na Cidade, é ponto de encontro e referência central nos momentos festivos.
As intervenções realizadas, no âmbito das oficinas de mapeamento colaborativo, nasceram da associação das memórias pesadas de um tempo sofrido, a um presente onde se inscrevem as práticas quotidianas de uma boa parte da população, amarradas ao chão de uma ilha, amargo e belo enclave, onde as difíceis e extenuantes condições conduzem a um estado de perpétua insónia sensorial.
O medo, imposto pela tragédia de uma brutal exploração, não se limita a ser memória má de um passado afastado, ele permanece e estranhamente as pessoas vão achando formas de com ele conviver. Esse lugar foi e permanece habitado por uma população que está de passagem, as condições difíceis que o definem climatericamente, provocam uma ansiedade angustiante, despertam uma enorme vontade de partir à qual se mistura um desejo estranho de querer ficar. Em todo o lugar se encontra uma história de partida, a qual terá originado interrupções, ruturas que marcam a paisagem humana da ilha. Uma história longa e descontinuada, repleta de circunstâncias motivadoras de sentimentos contraditórios, território inquieto, ávido de atenção, de reflexão e propício à intervenção artística, como forma de restituição de outros valores e criação de outras histórias.”
Antónia Marques, Em trânsito, pela criação de lugares indisciplinados, 2015