Técnicos Especializados – A Escola precisa de Meios Humanos ou Humanos Inteiros?

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Contratação de Escola
Renovação de Contratos – Técnicos Especializados
Nos termos do Despacho da Exma. Sra. Secretária de Estado Adjunta e da Educação de 11 de agosto de 2017, é autorizada a renovação dos contratos estabelecidos com os técnicos especializados contratados no ano letivo 2016/2017, com vista a garantir que no início do ano letivo 2017/2018 os Agrupamentos de Escola / Escolas não Agrupadas dispõem dos meios humanos necessários para suprir as necessidades.

(in, Nota Informativa DGAE, 21 de Agosto, 2017)

Decidir.

Os problemas que corroem o sistema educativo português são terríveis e imensos, pelo que seleccionar um tema, no meio de tantos outros possíveis, é sempre uma tarefa penosa! Todos, por razões diversas, merecem idêntica atenção. Observo com indignação e pesar o impacto nocivo dessas contendas na formação humana e intelectual dos alunos, crianças e jovens, que respeito e estimo! Por esse motivo, entendo que enquanto educadora, não posso abdicar das responsabilidades profissionais, sociais e cívicas que me cabem, pelo que, faço tudo o que posso para tentar deter este movimento corrosivo. Tem sido árduo este caminho! Pugnar pela integridade, fazer valer a responsabilidade, exigir respeito, pautar a ação pela ética e deontologia que cabe à profissão de docente, são hoje incumbências destituídas de sentido, para a maioria dos actores que se movem e tomam conta do sistema de ensino.
A responsabilidade da tragédia, que se instalou na Escola, é atribuível a uma legião extensa de gente, muita gente que, por razões diversas, decide optar pela indiferença como forma de responder à gravidade dos  problemas! Sem disponibilidade anímica para dedicar tempo à reflexão sobre a qualidade, a pertinência ou a atualidade das aprendizagens, ou dos projetos educativos das escolas – pais, mães, professores, alunos, directores, secretários de estado, sindicalistas, ministros, personalidades de reconhecido mérito da comunidade, de costas voltadas, atordoados pela ausência de planos e projeções de futuro, agem em conformidade com a melhor estratégia para obter, no imediato, os melhores benefícios individuais, declinam a responsabilidade, não reconhecem vantagem em pertencer a um coletivo!
Todos juntos, ainda que sem darem por isso, têm produzido obras comuns – instituições doentes, tomadas por psicoses e devaneios tortuosos, nelas se incluem as escolas, espaços convertidos, pelo abandono social a que têm estado expostas, em lugares de confiança duvidosa!
Esses territórios instáveis, pouco seguros, apesar de todos os esforços mobilizados, ainda não conseguiram espantar todos os honrados cidadãos que, na plenitude da utilização das suas funções sociais e profissionais, não perderam a capacidade de indignação! Defendem com tenacidade, valentia e coragem os seus valores, exigem que se respeitem os reais fundamentos da Escola. Nobres e meritórios profissionais, disseminam a sua luz, partilham a sua paixão pelas causas com os entusiastas alunos, que lhes foram confiados.
Por esses e com esses, vale a pena continuar a trilhar o difícil caminho!

Segue-se uma reflexão sobre as perniciosas dinâmicas, que se abateram sobre a Escola, com a introdução do regime de contratação de professores em regime de “ajuste directo”.
Os proveitos pedagógicos, que esta modalidade de recrutamento eventualmente apresenta, estão ainda por avaliar, talvez porque nunca tenha sido essa a sua verdadeira vocação! Já a gravidade dos precedentes legais, que a seu reboque se inscreveram no sistema, está mais do que aferida, se dúvidas restassem, prontamente seriam esclarecidas pelo teor dos Despachos, dedicados a este tema, emitidos pelo DGAE durante a silly season.

A Escola precisa de Meios Humanos ou de Humanos inteiros?

A Escola, outrora desenhada para ser entidade de interesse público, está transfigurada, não resta quase nada do sonho coletivo, até os edifícios foram vendidos!
Esta coisa que restou, à qual se teima chamar Escola, está tomada por um monte de gente medíocre, sem competência para escrever uma linha que honre a educação, ou praticar uma ação que se inscreva positivamente na história.
Os professores têm sérias responsabilidades, uns desistiram de afirmar o sonho, outros desconhecem que tenha existido um sonho, outros estão-se a borrifar para aquilo que outros sonharam, muitos outros aplicam sangue e suor para conseguirem enterrar o sonho num lugar feito à medida! De ajuste em ajuste, tudo é permitido para moldar o lugar até que sirva. Não cabe qualquer moral nesse atelier de confecção à medida!
O sistema de contratação de professores, processo sucessivamente maculado, despido de seriedade, equidade e justiça, dedicou-se sem vergonha à criação desses tais lugares à medida!
Projetos especiais, necessidades pontuais, áreas de intervenção prioritárias, territórios insurgentes, tantas formas excepcionais de dizer o mesmo – incrementar a autoridade para contratar o macaco mais capaz de garantir lealdade ao galho!
A proliferação de lugares, talhados à medida, é notória, a fila de candidatos disponíveis é extensa, apinhada de gente disposta a tudo para conseguir um posto que lhe sirva! Essa gente arruaceira tem raiva profunda ao Concurso Nacional, ficam verdes de irritação ante tão profunda injustiça – como pode uma lista seriada (que respeita uma graduação profissional nacional) ser mais relevante do que uma especificidade adquirida na feira?
Os Técnicos Especializados, os tais “meios humanos necessários para suprir as necessidades” fazem parte das contratações de escola que crescem, à margem do Concurso Nacional.
Com este surto, aumenta igualmente o poder de as Direcções das Escolas (empossadas por uma restrita elite) contratarem, em regime de ajuste directo,  o seu pessoal especializado.
Este fenómeno ignóbil, pugna para que se subtraiam do seio dos Grupos de Recrutamento (cuja ordenação dos candidatos a docente está sujeita a uma graduação nacional) os postos de trabalho, para distribuir, com fartura, aos Técnicos ditos Especialistas (candidatos sem “existência” profissional nacional).
Estas manobras têm sido conduzidas com mestria e proveito, pelos diversos actores envolvidos:

  • O Ministério da Educação move-se, motivadíssimo por ter criado um expediente, básico mas profícuo, que permite reduzir drasticamente o custo da mão de obra dos meios humanos, que tem sob sua tutela e, simultaneamente, pôr conseguir agilizar um esquema de alienação da responsabilidade sobre o regime de Contratação de Docentes, assunto historicamente carregado de problemas e causador de grande desgaste político à imagem de Ministros, Secretários de Estado,…
  • Os Directores das Escolas, apoiados pelo silêncio cúmplice e cobarde da maioria dos profissionais que têm sob sua alçada, rejubilam de satisfação, pelo poder crescente que têm em mãos, têm carta verde para escolherem, sem justificação, a fisionomia mais conveniente do contratado!
  • Os patéticos especialistas, “meios humanos” ao abrigo da sua condição profissional indigente, validam com a sua insignificância o esquema! Assinam contrato com a submissão e prometem lealdade eterna! A sua cumplicidade é peça fundamental, para garantir saúde e longevidade ao sórdido e vil sistema.
  • Os sindicatos movem-se com cautela, tão depressa atiram umas achas à fogueira, como regam de água bem gelada os conflitos!

Este expediente, aparentemente bem intencionado, de contratação por ajuste directo, é mais um dos laboratórios que a tutela e seus fiéis serventes, utilizam para fazerem as suas experiências, adivinha-se pelo sucesso da empreitada, que, à semelhança do que aconteceu com o resultado de outras aventuras laboratoriais, a fórmula ensaiada seja aplicada de forma ainda mais abrangente, acompanhada, claro está, pela implementação de uma moderna e eficiente plataforma ultra-simplex, que extinga as graduações, as prioridades, os grupos, e premeie o candidato exclusivamente pela sua capacidade especial de se ligar à seita!
Este indecente modus operandi, básico e mesquinho, é utilizado de forma ostensiva e persistente, para garantir que a Escola jamais saiba como desenhar outro caminho!
Enquanto os  directores e lacaios de serviço, que rejubilam por verem “despachada” a autoridade para contratar a capricho, vão enchendo as escolas de Meios Humanos especiais, os outros tontos, aqueles que por comodismo preferem acreditar na fábula, iniciam os tradicionais protestos anuais! Aqui del Rei, confessam-se indignados com as injustiças do sorteio nacional! Parece que a promessa anunciada de um lugar ao sol, perto da morada, não foi, de novo, a sorte de todos!

E a Educação senhores? Como se encontra a Educação no meio de todo este contrabando de lugares e feitios? 
Encontra-se bem, a salvo destes conflitos, está linda, luzidia, bem conservada, mergulhada num frasco de formol! 

Não creio, de forma alguma, que o Concurso Nacional seja a única e melhor forma de dar resposta a todas as necessidades, pois são diversos os aspectos que maculam a sua integridade, nomeadamente as problemáticas levantadas pelas lacunas de formação, adequadas ao exercício de funções, que revelam muitos dos docentes incluídos nos Grupos de Recrutamento… Mas esse é efetivamente um outro problema, que há muito poderia ter sido tratado, bastava que para tal existisse real empenho em melhorar a qualidade do ensino, adequando os recursos às nucleares necessidades. As máculas, muitas das quais provocadas intencionalmente, que mancham a face do Concurso Nacional, não justificam que se inventem e implementem formas outras de contratar, que não respeitem os mais basilares princípios de equidade, justiça e transparência. Os candidatos e as instituições, que pautam suas condutas pelo rigor, merecem dispor de formas capazes de os honrar!
Resta, a quem observa com lucidez toda esta trama medíocre, resistir, denunciar, confrontar, reclamar, apontar sem clemência as falhas humanas graves deste corrompido circo!

Caso Prático 

Escola Artística Soares dos Reis (EASR) – como se criam Meios Humanos?

Gosto de refletir apoiada em casos concretos e, gosto ainda mais de ter uma ação consequente com o discurso. Conheci de perto, o enquadramento institucional dos “meios humanos necessários para suprir as necessidades” na EASR, prontamente confirmei umas quantas suspeitas. Acredito que, no que concerne a esta matéria, noutros contextos escolares possam existir realidades diversas, mas quanto ao que vi na EASR não me restam quaisquer dúvida. Pedagogicamente assombrada, a escola está refém de umas quantas almas penadas, destituídas de paixão pelos fenómenos artísticos, disseminam como podem os seus maus humores, espalham sem descrição as suas frustrações.
A escola assim tomada, não é um lugar pedagogicamente idóneo. A EASR  (especializada na criação de Meios Humanos) é hoje um território de excepção onde grassa, entre outras disfuncionais bizarrias, a fortuna dos bem aventurados técnicos especializados !
Um conjunto de circunstâncias aleatórias conduziu-me, de novo, à EASR, contratada para desempenhar funções especiais, vesti a camisola da Educação Artística (que guardo para momentos especiais) e, num dia em que parecia que o nevoeiro se ia dissipar, fiz-me à estrada! Oh experiência avassaladora, o céu que parecia estremecer de tanta luz, num ápice escureceu, reuniram-se as mais densas nuvens, dizem que até hoje a escuridão não aliviou e que a chuva grossa não desapareceu! No meio de tanta tragédia, com garra, coragem e persistência consegui, escapei ilesa, sem maleitas, vícios ou doenças infecciosas, sai imune a uma série de paranóias!
Foi nesse cenário dantesco que encontrei o vasto grupo de técnicos, auto-denominados especialistas nas artes da terra, do ar e do fogo! Quanto à qualidade das maravilhas, operadas por esta tropa de elite, tinha as minhas desconfianças mas, obra dos deuses do Olimpo, eis-me presenteada com a possibilidade de observar a tropa desarmada… Desgraçado cenário, os soldados de elite não passam de uns coitados, desesperados, lutam entre si pela manutenção do lugar, aquele bem especial, que os manterá a salvo de trabalho em demasia!

Nesse lugar esconso, repleto de Meios Humanos, é difícil ser ou ensinar a ser Humano Inteiro!
Nesse lugar esconso encontrei o Técnico contratado para ser um Especialista Professor!
Nesse lugar esconso, encontrei o modelo, percebi como se converte em clube privado, um território sustentado por dinheiro público!

Termino com uma memória, parte de um artigo escrito em jeito de celebração, no passado dia de Portugal.

“A Escola alberga ainda um amplo grupo de docentes de técnicas especiais. A especificidade da Soares dos Reis contribuiu também, para a criação dessa nova “tipologia” profissional, à qual o Ministério, estrategicamente, convencionou chamar Técnico Especializado. Sem grupo de recrutamento, ou tão pouco enquadramento na carreira docente, encontram-se à margem dos Concursos Nacionais, pelo que são recrutados (a baixo custo) em regime de contratação direta, pelas escolas que deles possam eventualmente necessitar.

Têm fama e reconhecimento nacional as sui generis entrevistas, realizadas pela equipa directiva, recentemente exonerada, aos candidatos a Técnicos Especializados, o alegado descrédito relativamente ao processo de seriação é tal, que atualmente  só os menos avisados se dedicam à organização de portfólio e à preparação séria e empenhada da entrevista para a obtenção de colocação.

A autonomia para contratar, entretanto confiada às escolas públicas portuguesas, tem gerado uma série de “candidatos premiados” os quais rapidamente se convertem em subservientes e humildes obreiros, garantindo com a sua bacoca lealdade os consensos autoritários, cuidando com estima e dedicação do bafio e do bolor, que crescem viscosos em torno da claustrofóbica unanimidade, necessária para garantir a “gestão pacificada” dos estabelecimentos escolares. O impacto destas contratações na EASR, assim como noutras escolas talvez um dia venha a ser aferido!”

Antónia Marques
Ex- Docente (a prazo) de Técnicas Especiais da Escola Artística Soares dos Reis
Por razões mais do que óbvias, sem perfil para que me seja atribuído um lugar à medida!

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