A Farsa par(a)lamentar: do Rabal à Lapa

Deplorável espectáculo!

No primeiro dos atos, o primeiro dos ministros surpreendeu a audiência com uma grotesca representação. Misturando factos e ficção, desfiou conta por conta um longo rosário, dizendo tudo e seu contrário. Clamou ser pai de um par de filhos, filho de pai, mãe e do Espinho Santo, herdeiro de propriedades, neto de gente que transfere mas não vende património e marido de uma senhora com quem havia casado em comunhão de bens avençados! De permeio, referindo-se ao core do business de família, enumerou metros e quadrados, juntas, concelhos e freguesias, pastagens, lameiros, matos e confrontações, espécies arbóreas, cabeças de gado e pés de videira. Assim que terminou a fastidiosa rábula do inventário, atirou-se à anunciação do dom da transparência, do qual se diz fiel depositário, em virtude de haver revelado publicamente o segredo das receitas da família! 

De peito inflado e olhar esgrouviado, na plenitude do transe encenado, usou e abusou da ladainha do pobre coitado, vítima das mais ardilosas perseguições e vis teorias da conspiração! Contra as quais retorquiu. Clamando de forma estridente. Pois que afinal a real intenção da família seria única e exclusivamente a de edificar uma adega duplex no Rabal à Lapa, juntando o berço das crias com o liteiro king size dos progenitores, e, no melhor dos cenários, talvez estender a atividade ao turismo de recreio na quinta sexta-feira de cada mês, para evitar pagar 300 euros/ noite, na epic unidade hoteleira da capital, que lhe tem servido de residência, apenas e só para evitar pernoitar no quarto sem cortinados do palacete de São Bento!

Após ter puxado de todos os galões rurais, de que alegou ser genuíno proprietário, o primeiro magano, visivelmente ufanado, sacudiu a erva de pasto e as bolas de golfe, e proclamou “homem mais transparente não há”! Pelo que, advertiu, dali em diante só haveria de contracenar com galãs “tão ou mais mais diáfanos do que eu”

Assim que o homo transparentis lançou o repto, a plateia avençada, à direita, rejubilou, aplaudindo de pé, enquanto clamava Viva, Viva, SpinumViva (Espinho Viva)

Quem assistiu, in loco ou em deferido, aos aplausos e delírios da malta da aliança, terá ficado com a nítida sensação de que a rábula do primeiro farsante, apesar de elementar, foi suficiente para os cativar! Consequência, a encantação e as cenas prosaicas terão vindo para durar.

Diálogos presidenciais! “Perguntem aos mais velhos”, Pedro Brito 2/março/25

E, meu dito meu feito, ainda fita par(a)lamentar estava longe de terminar e já uma fila extensa de novas cenas tresloucadas, com o primeiro dos ministros ao centro, se perfilava entre o Rabal e a Lapa! 

Incapaz de separar a ficção empresarial da realidade de Estado, Montenegro agarrou-se à representação para salvar a narrativa do, alegado, simplório negócio de família! Incapaz de sair do papel, o homo transparentis assumiu de vez a personagem e, de pronto se lançou ao green para continuar a farsa! Et voilá, minutos depois da grande embrulhada, veio a público a paródia, organizada pela ordem dos economistas, em que o primeiro magano surge engalanado, com farpelas de golfe, ao lado de tacos e violas, fazendo pandã com os poderes económicos! 

Que raio terá passado pela cabeça desse meliante, para se arrogar o direito de gozar, de forma tão despudorada, com quem lhe paga o ordenado? Das duas uma, ou Montenegro perdeu a cabeça no meio da erva de pasto ou terá deixado cair a ética num buraco de golfe!

Ainda assim, a indecorosa presença no pasto com buracos ao lado de outros caras de pau, não teve força bastante para quebrar o feitiço que Montenegro lançou sobre a resignada multidão. 

Assim sendo, Seguimos em frente!

terá dito o magano à trupe que o acompanha na governação.

Num ápice, a trupe que se havia instalado no hemiciclo, tomou a televisão.

Pela hora da janta, entre um (António) Sena genuíno e umas cenas replicadas, Montenegro, em representação do grupo de sequazes, falou ao país sobre a sua farsa familiar. Com um brilhozinho nos olhos entoou de novo a ladainha. 

E o que é que foi que ele disse? E o que é que foi que ele disse?

Disse tudo o que lhe passou pela tola, e mais um pouco, fez o quatro pintou o sete e às duas por três falou de um amigo que vale milhões! Sem perder o ritmo, cantarolou a lenga-lenga à frente dos boys, as meninas de coro arrebatadas pelo refrão, trautearam que quem não vê caras, não vê corações! Mas, afinal o que é que foi que ele disse? O que é que foi que ele disse?

Disse tanta baboseira e respondeu a nada. Quase a terminar, removeu a mulher do retrato empresarial, desviou os cadilhos para a conta dos filhos e, entre escusas e explicações vagas, ameaçou os seus detratores que, caso não fechassem as matracas, atiraria ao ar, num dia de ventania forte, uma opa de confiança! Assim que terminou a leitura do salmo, pegou na papelada e abandonou a sala com os amigos, pois coisa mais preciosa no mundo não há! 

Mas, afinal o que é que foi que ele disse? O que é que foi que ele disse

Disse um pouco de tudo mas com nada se comprometeu.

Perante a miserável encenação, e de onde menos se esperava, surgiu a censura que haveria de forçar Montenegro a assumir, por uma vez, a palavra avençada! Mas, antes de tal suceder, o comentariado subvencionado por outros amigos que valem milhões, fez render a situação. Ora porque a censura havia mordido o isco, ora porque seria inútil censurar a governação, ora porque a oposição estaria mais inclinada a aguardar pelo passe de mágica do primeiro dos ministros, ora porque a governação seguia em velocidade cruzeiro, pelo que não existia matéria para censurar, ora porque a empresa de família escapava pelos pingos da chuva, porque o parlamento não estaria na disposição de censurar o governo! Ora porque para encher os diretos, vale tudo, até atirar ao ar qualquer teoria, pois palavra pronunciada por comentador avençado serve apenas dar eco à voz do dono, pelo que não deve ser levada a sério!

E com o tal brilhozinho nos olhos, Montenegro continuou a actuação!

No meio da vertigem e do pasmo mediático, o primeiro dos ministros aparece sentado numa cadeira de Estado, pronto a ser interrogado por uma ex-funcionária da Cofina Media! Puxa, Portugal é mesmo pequenote, não é que as ex-Cofinas e os quase ex-primeiros ministros passam a vida a tropeçar uns nos outros!

Bom, coincidências à parte, certo é que o desempenho de ambos superou as piores expectativas. O que até poderá ter sido ótimo para incrementar o share e as perplexidade coletivas mas, certamente, terá sido péssimo para o Epic hotel, em virtude de ter sido preterido, em prime time, por um cliente de vulto! Ora, de facto, o interrogatório, que espremido não daria para encher sequer um copo de sumo, terminou como havia iniciado, todos as explicações foram prometidas mas, em bom rigor, nada para além do preço da diária, pago à unidade hoteleira onde o primeiro dos ministros assentava os costados e a péssima qualidade dos aposentos da residência oficial, foi esclarecido! 

Do confrangedor interrogatório ao miserável debate da moção de confiança, foi um passo de pardal! 

E, da tresloucada discussão, em torno da confiança que falta, ao governo cortado em fatias, foi um passe de manhosa retórica discursiva! Com os despojos da grande farsa na algibeira e o parlamento finalmente desmantelado, Montenegro abandonou a cena sem sair do palco, rumo à campanha para granjear a maioria com que sempre sonhou! 

Resultado, o povo será em breve contactado para se pronunciar sobre a farsa do Homo Transparentis, ajuizando, pelo voto, se o personagem tem ou não direito de acumular a gestão da casa de pasto da família, com o desempenho do cargo de primeiro dos ministros da governação da república portuguesa! Tudo isto, apenas e só, porque ao Montenegro, empresário, faltou ética e decoro para evitar embrulhar a democracia em papel timbrado com as insígnias dos impérios económicos aos quais, Montenegro, o primeiro ministro, garante a confidencialidade de dados!

Porém, asseguram os especialistas, que têm lugar cativo na bancada mediática, não é a balbúrdia par(a)lamentar, nem a usura, nem a falta de lisura, tão pouco a crescente promiscuidade dos eleitos, habituados a exercerem funções no intervalo dos seus negócios, que nos devem preocupar. Não, de todo, o que é mesmo, mesmo muito grave para a democracia (deles) e para a credibilidade das instituições (por eles confiscadas) é atirar o povo para novas eleições.

De facto, a existir alguma solução para debelar, ainda que pela rama, o presente Estado de sítio e evitar a queda da democracia num buraco de golfe, ela teria passado pela imediata renúncia de Montenegro ao cargo, que o voto do povo lhe confiou! 

Mas, não, longe de equacionar essa possibilidade, o personagem avençado terá considerado que o melhor, para salvar a farsa, seria convidar o povo a integrar o elenco da Spinumviva, ainda que tal contribuísse para violentar (ainda mais) a democracia!

Resultado, ao invés de deixar o cargo da governação, Montenegro optou por dar continuidade ao enredo da renúncia à família, na esperança que a lama, que importou do Rabal, seja suficiente para  entreter o público e alcançar uma maioria parlamentar, para dedicar à clientela da Spinumviva!

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