do Fogo ao Inferno

Giovani 
nunca mais escreverá a seus pais!

[singela homenagem ao jovem que deixou em Cabo Verde o Fogo e encontrou em Portugal o Inferno]

“Os pais prepararam o menino para embarcar com antecedência, nos fins de setembro. Tinha que fazer matrícula, pagar propinas e alugar quarto onde pudesse estudar à noite sem restrição de luz.

Na mala havia roupa para todo o ano letivo; sapatos dois pares, um de couro e outro de plástico; um saco de piran para reserva, quando as refeições não fossem das melhores; como sempre acontecia; cuscuz torrado na lata para comer com mel, porque “cabeça com fome não dá para estudar”, dizia a mãe.

Quando o filho partiu para os estudos, no barco branquinho como ondas que quebravam aos seus pés, aqueles primeiros dias foram de muitas saudades, recordações que entristeciam cada vez mais a alma da mãe, principalmente.

No primeiro dia de aulas Viriato estava contente no meio daquela turma com mais de trinta alunos. Sentia-se no centro do Universo, como se a sala fosse a orquestra e ele o maestro. 

Viriato escreveu uma carta aos pais depois dos primeiros quinze dias de aulas.

Dois dias passaram e o barco chegou ao Fogo, depois de várias horas sob uma forte acalmia que nem apagava uma vela. 

Foi alegria em casa da Ticha e do Sérgio. Estavam com pressa de abrir a carta do filho, já havia dias sem notícias. 
O silêncio era angustiante, ouvia-se o rasgar do envelope. 

O marido procurava acertar o cabeçalho do mesmo e num relance notou que a caligrafia era mesmo do filho.

Sérgio não era muito dado às leituras mas, mesmo assim, percebia-se o que ele lia. 
No fim todos entenderam a mensagem do filho. 

Ticha logo no início da leitura emocionou-se muito, com um dedo de cada mão limpava gotas de lágrimas que insistiam em não parar. 
Brotavam do canto dos olhos como pingos de chuva.

Viriato dizia na carta que continuava a gostar da cidade, as aulas iam bem, sem dificuldade; sentia saudades da casa, dos irmãos e dos pais; já tinha amigos, e a responsabilidade maior…”

(in “A Caminhada” de Samuel Gonçalves – escritor do Fogo)

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