
APONTAMENTOS SOBRE OS EFEITOS COLATERAIS DA RECUPERAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO

A Hipnose Docente, na abertura do ano letivo 24/25
Auditório Municipal, a Norte
À medida que Fernando Alexandre vai somando dias de serviço, ao seu currículo académico-partidário, o Tempo da Educação Pública esvai-se e, tal como sucedeu com o tempo de vida útil roubado aos docentes, jamais será recuperado!
À medida que esses dias se alastram, a inaptidão da equipa governativa, que nasceu prematura e com prognóstico reservado, vai-se consolidando e, consequentemente, acrescentando desgraça aos já tão massacrados cantos e recantos dos Lusíadas estabelecimentos escolares, deste pedaço de chão à beira mar plantado!
Por esta altura, após tantas e tão péssimas provas públicas e atos falhados, são por demais evidentes os reais motivos que terão levado o economista Fernando Alexandre, ex-secretário de Estado Adjunto da Administração Interna (XIX Governo de Portugal, 2011 a 2015, liderado por Passos Coelho e amparado por Paulo Portas), a aceitar uma substituição provisória no Ministério da Educação. E, de facto, o lamentável desempenho do ministro não deixa margem para dúvidas, sem formação adequada ou dias de serviço dignos de registo, no setor da educação, Fernando terá aceite o horário para ministrar Educação com o fito de ocupar, a breve prazo e num cenário de maioria governativa, um lugar no grupo de Economia e Finanças.
Ao aceitar colocação, no Agrupamento mais assombrado na legislatura anterior, Fernando Alexandre fez um enorme favor ao líder da Aliança Democrática, num momento de particular aflição e agonia. A braços com os despojos da maioria socialista e uma indesejada minoria parlamentar no regaço, sem atender a competências, habilitações ou a dias de relevante serviço público, Montenegro apostou na contratação baseada no perfil dos candidatos e, às pressas, garantindo-lhes condições fabulosas, lá conseguiu convencer os parceiros mais próximos a integrar a equipa governativa, que Marcelo haveria de certificar, para assumir o governo de Portugal.
E assim, poucas horas após o culminar do dia das mentiras, do ano 2024, tomava posse o precário governo de Luís! Foi um momento inolvidável, as famílias da(o) Capital vestiram as suas melhores farpelas, empoeiraram as maçãs do rosto, passaram uma goma colorida pelos lábios, agarraram nas malas de grife e desfilaram sobre os despojos da democracia! Retratos, beijos, abraços, apertos de mão mais ou menos efusivos, cumprimentos, promessas, juras, compromissos, anagramas debruados com metais decadentes, de tudo um pouco, no que à luxúria diz respeito… e o ar… rarefeito, impregnado de Patcholi!
A fábula das velhas alianças, forjadas a ferro-e-fogo, foi empossada com pompa, circunstância e desconfiança bastante! Entre os convivas, muitos ex-governantes babados e enternecidos por verem suas crias encarreiradas, seguindo as pisadas dos papás! Corre-lhes no sangue a inclinação para a assunção de cargos públicos de liderança, ainda que de líderes e de serviços público não reúnam qualquer experiência digna de registo!
Os reais custos desta operação não foram divulgados, porém, como no Olimpo da(o) Capital nem os segredos de estado escapam ao fenómeno da revelação, todos os dias se vão desvelando as extra-ordinárias contrapartidas que Montenegro terá assegurado aos contratados, para evitar cair na desgraça de não ter equipa para formar governo minoritário.
Contudo a desdita, a que o ego político-partidário de Montenegro escapou, abateu-se aos trambolhões sobre o que restava de serviços com utilidade pública, agudizando gravosamente os prejuízos dos cidadãos! Da saúde à administração interna, passando pelo ministério da especulação imobiliária e a (agri)cultura intensiva, não há sector da vida pública que esteja a salvo da displicência, inaptidão e propensão para o extrativismo dos governantes, no que à responsável defesa e cuidado dos bens comuns diz respeito.
Esta governança sonsa que, por mero taticismo político, se apresenta dócil e predisposta a pacificar contendas, apesar de não ser inédita, continua a convencer e a inebriar os mais incautos! Porém, após tantas e tão reprováveis evidências de abuso, corrupção e péssimo serviço público, permanecer incauto talvez seja mais ruinoso e irresponsável do que ser sonso!
As evidências da ruína e irresponsabilidade, geradas pela fusão de sonsos com incautos, são amplas e diversas, nelas se inscreve a mais recente suspensão da luta dos professores pela defesa da Escola Pública, comprada no passado dia 21 de maio de 2024, a preço de saldo, por um acordo maculado de dolo e discriminação, que prevê a devolução do tempo de serviço (sem juros ou garantias) em tranches e fatias, cortadas a gosto, até 2027.
Fernando Alexandre, economista de formação, filho pródigo dessa fusão, rapidamente terá concluído que para calar os professores não seria necessário grande investimento e, voilá, meu dito meu feito, alinhavou um conchavo com os parceiros do costume. Com meia-dúzia de trocados, embrulhados numa avalanche de insanos procedimentos administrativos, voltou a enrolar os serventes da educação numa colossal perda de tempo e dignidade, deixando milhares de docentes de idade e sabedoria avançadas pelo caminho! Destituídos de memória, deslumbrados com as habilidades ministeriais e de olhos postos nas suas misérias, exibidas aos soluços nas inoperantes plataformas institucionais, os professores abandonaram de vez a luta, sem terem ganho, efetivamente, qualquer batalha!
A falta de maturidade cívica, para compreender os estratagemas político-partidários, embora seja uma realidade confrangedora, que afeta gravemente a classe docente, não é argumento, por si só, suficientemente válido para justificar a demissão e alheamento de todos aqueles que, mal o dito acordo foi firmado, trocaram as reivindicações, as greves e as manifestações de rua, sob o pretexto da defesa da Escola Pública, por grupos virtuais de auto-ajuda, dedicados à paranóica partilha de pistas para encontrar o pote de melaço, onde o Ministro da Educação e Finanças alega ter guardado o tempo de serviço, subtraído à vida e à carreira dos docentes.
Tristes dias os que se contam desde então, atarantados entre o êxtase e o deslumbramento, com fé e muita crendice nas promessas do Ministro, foi vê-los correr a decifrar siglas e notas informativas, a apelar aos santos da casa e aos diabos de outros agrupamentos, a trocar correspondência eletrónica com estranhos para indagar como aceder aos registos biográficos, a mergulhar de cabeça nos teclados, a desprezar férias de verão e tempo de descanso em família, a organizar clubes de leitura e interpretação de FAQ’s e legislação avulsa!
A azáfama foi tal que, a quase todos, escapou o discernimento para entender o essencial – a recuperação do tempo de serviço, nos termos fixados pelo ministro ( e que a maioria não leu ), à mesa de uma lamentável e parcial concertação social, configurava, acima de tudo, mais um cruel e derradeiro ataque aos prejuízos acumulados pela Classe ao longo de décadas.
Nesse exacto momento, a classe deveria ter saído à rua!
E, não, não seria para celebrar as graças do ministro! Bem pelo, contrário, à rua deveriam ter saído, de forma bem expressiva e contundente, o repúdio e indignação dos professores, em relação à discriminação e às tropelias a que o tratado eleitoralista daria azo!
Mas, falhou coragem, determinação, estratégia e orientação sindical a sério, para entender que aquele teria sido o MOMENTO CERTO para se exigir a recuperação do tempo com a celeridade, dignidade e equidade merecidas!
Infelizmente, a crendice na boa-fé do novo ministro, a falta de estratégia e a incapacidade para entender o Tempo dos ciclos políticos, sobrepuseram-se à racionalidade e ao sangue-frio que a última etapa do longo e extenuante caminho exigia.
No entretanto, após a descomunal incapacidade para decifrar os sinais do Tempo e as letras miúdas do tratado, a desorientação, a falta de credibilidade, a inoperância e as quezílias internas das organizações sindicais estabeleceram-se em definitivo. Acrescentando ignomínia e tragédia à debilidade da Classe.
Lamentavelmente, a conclusão do dossier Recuperação Integral do Tempo de Serviço, para além de ter esvaziado as ruas e aniquilado a predisposição para lutar pelo que é justo e necessário, arrasou de vez com a disponibilidade sindical para encetar outras lutas, tão ou mais prementes!
A aceitação, sem contestação, e até com um certo sentimento de vitória, dos gravosos termos da Recuperação do Tempo de Serviço, confirmaram as piores suspeições. De facto, o rosário de reivindicações desfiadas entre procissões e romarias a Lisboa, as odes e as cantilenas proto-revolucionárias cantadas em uníssono nas praças, vielas e esquinas deste país, terão sido apenas parte de um embuste coletivo, manietado para servir egos e interesses individuais mesquinhos!
A defesa do Serviço Público de Educação, carregada aos ombros, estampada na indumentária de protesto, impressa em tarjas e bandeiras, jamais terá sido levada a sério por uma boa parte daqueles que, por um breve lapso de tempo, clamaram: “Não parámos! Não parámos!”
Tivessem existido real ousadia e radicalidade nessa exclamação e, certamente, não estaríamos de novo a fazer contas aos prejuízos. A energia que faltou, para entoar com entrega e verdade o verso revolucionário, sobejou para invocar, em vão, a Defesa da Escola Pública. Resultado, as consequências desse gravoso pecado, estão por aí, à vista de todos, com força bastante para continuarem a gerar angústias, depressões e colossais perdas de tempo e direitos.
(des)cabimentos
À medida que as lentas e inoperantes plataformas e os devaneios administrativos vão dando cabimento aos processos de recuperação de tempo de serviço, os cabidos vão afirmando uma outra forma de ser e estar na escola! Assim que recebem o auto de notícia de que a 1ª tranche do seu tempo foi devolvida, os notificados desligam-se de toda e qualquer responsabilidade cívica, crítica ou reivindicativa no coletivo, e, sem olhar para trás, acedem ao patamar dos figurantes de carreira! Lugar onde passam a aguardar, serena e obedientemente, as próximas tranches de tempo que, em data incerta, hão-de ficar plasmadas no recibo!
E os inúmeros problemas da Escola Pública senhores professores?
Foram todos solucionados com o passe de mágica do Sr. Ministro da Educação e Finanças?
Sabemos bem que não! Porém, a quem é que isso interessa?
Se as lideranças continuam a ser prepotentes, se chove e troveja dentro das salas de aula, se o amianto cai aos pingos sobre as nossas cabeças, se a avaliação de desempenho continua a ser um nojo, se o sobretrabalho e o trabalho extraordinário aumentam sem lei nem roque, se a ignomínia da solidariedade perdeu a vergonha de sair à rua, se…
Se tudo está tão bem resolvido, porque não há-de a serenidade imperar no submisso reino de Fernando Alexandre!
Se os sindicatos do costume recuperaram os sócios do costume, se o sindicato mais inorgânico decidiu rumar a Belém, se os outros sindicatos já nem necessitam de sócios para continuarem a assinar acordos à mesa de negociações, se …
Se a classe está tão bem representada, porque não há-de o professor estar sereno e entretido a apreciar os pingos de amianto que caem sobre as cabeças dos putos!
A deposição das armas reivindicativas, o abandono dos protestos, a renúncia ao pensamento crítico, o descaso deontológico e o desprezo pela ética profissional, têm sido muito favoráveis aos intentos eleitoralistas da Aliança Democrática. Porém, a dimensão da tragédia que têm feito ampliar, favor de governo algum conseguirá alguma vez recuperar!
Fernando Alexandre, talvez sem ter plena noção dos ruinosos impactos do conchavo que, por razões meramente eleitoralistas, subscreveu, ao apostar na compra do silêncio dos professores, terá descurado uma lição magistral – docentes demasiadamente frouxos e alheados não têm qualquer serventia pública ou eleitoral.
E desta vez, contrariamente ao que sucedeu na era de outras senhoras e senhores ministros, a maioria dos professores já não terá tempo útil, de vida profissional, para recuperar da infâmia em que deixou mergulhar os seus últimos dias de serviço.
Segundo dados oficiais, nos próximos três anos, cerca de 60% dos docentes, actualmente em exercício, atingem a idade da reforma. Simultaneamente, durante esse o período, os restantes professores continuarão amarrados à balbúrdia e à hipnose da recuperação do pretérito tempo de serviço, deixando escapar entre os dedos mais um MOMENTO crucial para exigir a urgente regeneração do Serviço Público de Educação.
Ora, sejamos honestos, se nem o êxodo anunciado, que irá agudizar a carestia de recursos humanos especializados nas escolas, está capaz de despertar uma profunda comoção e um arrebatador sobressalto reivindicativo da Classe, talvez tenhamos chegado, de facto, a um mal-frequentado beco sem saída!
À meia-dúzia de guerreiros, que recusa depor as armas, por entender que no seio dos Estabelecimentos escolares nada de substancial foi resolvido, restará apreciar a jornada solitária, com a velha máxima ao peito “mais vale só do que ter por companhia falsos guerreiros”!
Às ineptas equipas governativas, que por aí estão, e às que estão por vir, deseja-se sorte e muita abundância na colheita das daninhas e infestantes, que tão ardilosamente souberam semear. É inteiramente vosso o reino da Educação, destituída de qualquer utilidade pública!
O dinheiro é o nosso fetiche: um deus que nós criámos, mas do qual julgamos depender e ao qual estamos dispostos a tudo sacrificar para apaziguar as suas cóleras.
Anselm Jappe
Antónia Marques
( A autora escreve à margem do Acordo e sem vendas nos olhos )